Páginas

sexta-feira, 26 de março de 2010

Crônica em homenagem aos 238 anos da capital

É sempre assim. Todos começam crianças com ambição de serem gigantes. Digamos que o lugar que escolheram-me para morar não é nenhum dos dois. E por mim está bom deste jeito.


Gosto de dar nomes diferentes às coisas – assim como todo bom Porto Alegrense – mas gosto ainda mais de dar sentido diferente aos nomes das coisas. Não acho que a cidade deva ser considerada “coisa” – It, na língua inglesa . Prefiro pensar que Porto Alegre é um organismo vivo, com um coração pulsante. Bem, vamos ao sentido do nome “Porto Alegre”.

Temos um porto sim, mas o forte da cidade não é o comércio portuário, – pra isso o estado tem o porto de Rio grande - apesar de já ter sido em seus primórdios, hoje temos mais alegria do que porto . Alegria agora me remeteu a idéia de um apresentador de auditório batendo palmas com uma platéia bem treinada...eca! Mas Bahhhh... não é bem por aí... é que os Porto Alegrenses “se puxam” em enaltecer o melhor produto que comparece em nosso cais: O Pôr-do-sol. Ah! E ainda batem palmas ao final – Qualquer semelhança com a minha idéia de alegria é mera coincidência.

Apesar dos fatos contarem outra história de como o Porto dos casais virou Porto Alegre, prefiro pensar que nosso porto é assim, alegre, por causa da sensação eufórica que o sol causa nas pessoas ao crepúsculo, colorindo o céu para onde aponta o dedo a Usina do Gasômetro, vizinha do tão comentado espetáculo da natureza. Ela com sua com sua chaminé em riste – aonde seguido se vê alguém escalando – agora produz cultura. Bem melhor que a fumaça de outros tempos né.


Faço meu trajeto iniciando pela usina e seguindo pela Rua da Praia (ops! Quero dizer, Andradas), que é um lugar que eu moraria certamente, ali perto do museu do Trabalho. Lembrei que na rua de cima fica o Castelinho do Alto da Bronze, onde, dizem as lendas, o dono do castelo aprisionava sua mulher na torre. Ahhh o imaginário popular... ainda bem que resiste em nós a tradição de contar histórias. Hoje o castelo não serve mais de calabouço e sim como um espaço para a arte. Ainda bem.

Sigo adiante pela Rua da P... (ops! De novo) Andradas e entro na minha casa (a de cultura) na qual sou praticamente inquilino de Mário Quintana e ao qual pago com poesias – sei que no céu dos poetas, outra moeda não deve existir. Sigo até o metrô que agora tem uma obra de arte em cada uma de suas duas entradas, fazendo referência ao côncavo e o convexo, o homem e a mulher, o dentro e o fora, os contrastes totais.


Como vizinho de porta do metrô, temos o querido mercado público, que é rico em especiarias, cheiros, gostos e temperos que o meu imaginário infantil só concebia na casa de uma bruxa muito experiente em preparos. Compro granola e farinha integral numa das muitas bancas de produtos naturais e resolvo ir até o escritório de um amigo que fica em um daqueles enormes prédios na Andradas (ah, acertei!) quase esquina com a Borges de medeiros. Ele estava atarefado, surtante, cuidando de questões empresariais. Ele me pede para aguardar um pouco -Isso me faz refletir o porque do centro ser tão cheio de pessoas e elas estarem tão separadas psicologicamente. Me debruço na janela do 15º andar e sinto a cidade alegre querendo ser gigante. Olho ao redor, analisando a paisagem e tudo o que eu vejo é um mar de prédios e remendos, um conjunto de formas desarmônicas que aumenta cada vez mais a sensação de separatividade. As antenas emaranhadas no topo dos edifícios talvez seja o único elemento em comum entre eles.


As alturas são de tal forma abissais, que as pessoas correndo lá embaixo, apressadas, contrastam de forma indescritível na escala que meu olhar construiu. Outro elemento comum talvez seja a aglomeração construída dentro de cubículos de cimento e ferro empilhados que se estendem até as alturas. Imagino agora os dias de uma vida toda transcorrida entre paredes de concreto climatizadas pelo ar-condicionado, com aberturas nas janelas onde o sol chega muito pifiamente.

Dou um até logo ao meu amigo (que segue atarefado e só vai notar a minha saída depois) e vou até o bairro Bomfim almoçar num restaurante vegetariano indiano – como carne, mas adoro o tempero deles. Aliás, o Bomfim é rico em comidas exóticas, vegetarianas e ecológicas. Não por acaso é lá que fica nossa redenção. Gosto de pensar que o parque da Redenção chama-se assim por ser repleto de árvores -a única coisa que pode nos redimir nesses tempos tão difíceis (climatologicamente falando). Fora a imensa disputa por um lugar ao sol no fim-de-semana do parque, as pessoas aproveitam e andam pelo brick de antiguidades olhando tudo atentamente, de ponta a ponta, mesmo que pela milhonésima vez (é realmente um vício porto alegrense, esperar encontrar algo que você não viu lá no domingo passado).

Me recosto sob uma árvore perto do buda – o parque tem um espaço dedicado ao budismo – e leio um livro que comprei na feira (do livro), com o título “Possibilidades Humanas”. Falando em feira do livro... Ah, não vou nem falar nada. Prefiro que você mesmo venha ver, ou conte como é. É entre setembro e novembro, não sei bem ao certo.



Sem muita luz natural para ler, cruzo o parque, a avenida, e estou na Cidade baixa, nosso bairro boêmio – Recomendo um ótimo café da tarde na confeitaria da Rua da República, quase esquina com a João Pessoa. Caminho até a Rua Lima e Silva e escolho ficar em um bar onde daqui a pouco vai ter roda de samba e chorinho com alguns músicos tão antigos quanto tradicionais da noite. A Cidade baixa vai começando a ficar repleta com o final do dia. Vejo as pessoas bebendo, rindo, vejo passar de carro o amigo que visitei no centro. Parecia uma criança ansiosa pelo seu brinquedo.


Na verdade, ali é onde os gigantes querem voltar a ser pequenos. Talvez não sejam nem um, nem outro. Talvez Porto Alegre seja um adolescente trocando de voz, ora com fala fina, ora com timbre grosso; vivendo de contrastes. E talvez, o laçador nem devesse mais ser o símbolo dessa Porto Alegre tão plural, mas sim a obra de arte nas duas entradas do metrô.

Postagens populares