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quinta-feira, 24 de abril de 2008

Microcosmo

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Escrevo versos com a luz.
Acostumei-me a observar o microcosmo.
Nas aulas de geometria espacial,
observava a disposição das folhas das árvores
que se mostravam à janela;
Nas aulas de geografia
pensava nas mazelas provocadas aos gorilas do congo:
caçados e sem floresta.
Enquanto alguém tentava chorar no meu ombro,
atentamente eu olhava
a trilha das formigas que passavam atarefadas
por baixo do banco em que me sentava.
Quando recebia do patrão uma longa lista de tarefas diárias,
logo imaginava:
qualquer coisa que fosse,
o que ele estivesse falando neste momento,
iria fazer de uma vez, e bem rápido.
Ou não...
o importante mesmo
era pegar aquele raio de sol que me chamava pela fresta da persiana do escritório
antes que fosse embora,
levando consigo todas as cores e detalhes que a minha íris captava.
E o resultado disso tudo é que
nunca consegui entender bem a disposição das folhas,
nem tão pouco alterá-las (não queria mesmo)...
Ainda não fui até o congo ver como estão os gorilas;
e nunca piso numa trilha de formigas;
Mas o sol...Ah, esse não me escapa mais.
Torno eterno as coisas que ele me mostra;
pego seus raios como quem agarra a cauda do cometa;
escrevo no papel fotográfico
como quem empunha um bico de pena;
Transformo cores e suas sutilezas em versos visuais;
E as pessoas me perguntam:
- Como podes ver assim?
respondo então:
- É simples... não seja, não faça,
Apenas se entregue à saborosa distração
das coisas não usuais...
J.C.

O Tempo

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O tempo já passou;
recolho os pedaços do que quero salvar.
desejo voltar à velha casa que abrigava meu espírito
talvez ainda encontre os móveis que o reconfortavam;
meus sonhos eram como a cortina da casa:
sempre ocultando o sol que iria iluminá-la...
toco uma velha canção que funciona como uma porta
ligando realidade e expectativas passadas;
sinto uma falta imensa de coisas que não tive...
(como se fosse adiantar senti-la)
coloco minha mente dentro de uma caixa
para que possa viver no meu tempo;
não adianta a síndrome de peter-pan
é preciso crescer e ajustar-se às horas;
E essas já não me conhecem mais...
preferem dedicar-se àqueles que tem todo o tempo pela frente
pois quando se tem os dias a favor de si,
É mais fácil errar;
E como é importante errar!
(importante que acompanhe o aprender)
Não se deve guardar gritos ou beijos para depois;
só assim a velha casa dos anos não precisa ser revisitada:
mantém-se na altura do olhar como um troféu a quem soube bem viver.
J.C.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Criança

.


O Gabriel era perguntador.
Também queria sempre mostrar tudo:
do desenho novo ao ventilador;
- Tira a mão daí Gabriel!
Adorava decorar as canções de desenho animado;
era a alegria dos seus pais:
acordava as 6 da manhã no sábado!
me pegava pela mão pra contar a notícia nova :
da aventura de chegar na casa da tia,
passava uma hora de pura trova;
(e numa linguagem que ninguém entendia )
mas não é porque ele tinha só três aninhos;
ele era diferente...
Gabriel voava - diziam os vizinhos.
Nunca acreditei muito nessa história...
(mania de gente grande que não acredita mais em nada)
até ver o pequeno rezando;
Ele não falava como os adultos
porque o papai-do-céu lhe fez especial:
de dia escondia as bonitas asas
e de noite se transformava em anjinho.

J.C.

Café na casa do poeta




Ar

preciso respirar

(Quem sabe um copo a mais de vinho)

uma risada a mais no bar;

uma noite a mais de lua cheia

não me verão sozinho,

nunca...

(talvez desenhando)

e só!

tomando café com creme

mas mesmo assim

todos sempre estão comigo

curiosos a me olhar...

desejam sempre saber

antes do desenho terminar

peço uma bossa nova

Ouço a canção

último gole no café,

e mostro o desenho ao garçom:

ohhhhhhhh...

quanto deu? (como se já não soubesse)

até sexta que vem! (pensamos juntos)

Não tenho mais Happy hour

estou desempregado

não verão mais meus hidrocores

nem rabiscos de nanquim...

(toquem uma bossa por mim!)

Agora me afogo nos meus amores

um para cada dia da semana

cada moça me dizendo sim

vou a estado de falência...

cerveja, vinho, café, nanquim

chego em casa e tudo o que quero é

Ar

não quero mais vinho

nem cerveja nem bar

talvez uma canção Hare Krishna

um espaço pra meditar

quero jogar tudo fora

pego papel, caneta e uma canção de Vinícius

(Pode ser aquela que chora)

E a vida acaba em poesia

em verso

em prosa

tudo igual a café passado

só é bom

se for agora.


J.C.

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